quarta-feira, 14 de abril de 2010

Comunicação: o paradoxo de uma sociedade em crise

Texto extraído do TCC de Rodrigo Cruz, amigo que me contaminou com o termo INCOMUNICABILIDADE. Acho que ele vem, aqui, pra iluminar conceitos e justificar os argumentos que estamos injetando em nosso trabalho. Considero sua leitura de extrema importância.


Pode parecer clichê (e não deixa de ser), mas comunicação é a palavra chave dos nossos tempos. Tudo e todos se comunicam. Os homens se comunicam, os animais, as plantas, as células, as máquinas, os sistemas. Para comunicar, basta estar vivo. E se ainda assim houver alguma dificuldade, o capitalismo informacional e seus inúmeros dispositivos de comunicação, telefones, fax, celulares, televisão, internet, estão aí para facilitar a comunicação entre os homens. Estamos todos conectados de alguma maneira, mesmo quando desejamos não estar, porque em nossos tempos, a comunicação deixou de ser uma necessidade e tornou-se um imperativo. Entretanto, apesar de toda essa facilidade, apesar da abundância de meios disponíveis, as pessoas continuam achando que não há comunicação, que não há entendimento, compartilhamento ou troca efetiva. Pelo contrário, parece cada vez mais difícil mostrar para o outro o que a gente sente, traduzir o que se passa dentro de nós, falar das nossas alegrias e tristezas. E mesmo diante de um estímulo tão grande para que a comunicação ocorra, a comunicação, quando ocorre, raramente é satisfatória.

A discussão em torno da comunicação, se ela existe, se ela acontece de fato e principalmente, se acontece de forma eficaz, é muito mais antiga do que o surgimento das tecnologias da informação. Desde a Antiguidade, diversos filósofos refletiram sobre o tema. O grego Heráclito de Éfeso (aproximadamente 540 a.C. - 470 a.C.), por exemplo, afirmou que os sentidos e as opiniões humanas se detêm na aparência das coisas. Para chegar à verdade, seria preciso captar, além dos sentidos, a inteligência que governa todas as coisas. Porém, Heráclito também refletiu a respeito da alma humana, e disse que “jamais poderá encontrar os limites da alma por mais que percorram seus caminhos, tão profundo é o seu Logos”. Tal idéia nos leva a crer que há algo no homem, algo extremamente profundo e pessoal que jamais poderia ser conhecido ou comunicado. Da mesma forma pensava Górgias de Leontini (480 a.C. - 375 a.C.), adepto da idéia de que o ser não existe. Se existisse, não poderia ser conhecido nem comunicado, uma vez que tudo o que as pessoas sentem é apreendido de maneira única e individual. Platão (428/427 - 348/347 a.C.), também demonstrou preocupação com a questão da comunicação e disse que a palavra, mesmo quando capaz de exprimir a qualidade dos seres, não consegue exprimir o próprio ser. A palavra (especialmente quando escrita) estaria congelada, enquanto os seres modificam-se continuamente.

O advento da técnica, a intensa difusão dos meios de comunicação e a emergência da chamada “sociedade de massas”, portanto, só vêm acentuar a antiga discussão em torno da comunicação. Por comunicação, entendemos aqui o processo ou acontecimento entre duas intencionalidades distintas. O jornalista e filósofo brasileiro Ciro Marcondes Filho afirma que a comunicação se produz no “atrito entre dois corpos” (se tomarmos as palavras, músicas e idéias também como corpos). Ela “vem da criação de um ambiente comum em que dois lados participam e extraem de sua participação algo novo, inesperado, que não estava em nenhum deles, e que altera o estatuto anterior de ambos, apesar das diferenças individuais se manterem” (MARCONDES FILHO 2004:15). Entretanto, esse processo de troca acontece com extrema dificuldade nas sociedades modernas. Os meios de comunicação, a despeito de daquilo que se propõem, parecem não promover de fato a comunicação, pelo contrário, eles parecem criar um ambiente de impossibilidade, de incomunicabilidade.

Para o filósofo francês Günter Anders essa incomunicabilidade é produzida pelos próprios meios de comunicação, que, ao criar um mesmo mundo para todos, um mundo viciado nos mesmos temas, nas mesmas formas de ver, na mesma sensibilidade, torna a todos congruentes”. Essa espécie de “monólogo coletivo” cria uma situação na qual ninguém tem mais nada a trocar com o outro, “pois todos partilham das mesmas emoções, sensações, percepções de mundo, tornando-se, assim, emudecidos” (MARCONDES FILHO 2009:182). Em seu “Dicionário de Comunicação”, Ciro Marcondes Filho procura conceituar o termo “incomunicabilidade” afirmando que esta pode ocorrer em dois planos distintos: o individual e o social3. Do ponto de vista individual, a incomunicabilidade corresponde às sensações de uma pessoa, a tudo aquilo que pertence ao plano dos sentidos e que não pode ser representado conceitualmente. No plano social ou supraindividual, corresponde às percepções humanas acerca da realidade, que são capturadas cada uma a sua maneira e por isso, não podem ser partilhadas. Em ambos os planos é impossível exprimir ou representar de fato as nossas impressões sobre o mundo.

Estamos então diante de um paradoxo. Se nós vivemos na chamada “era das comunicações”, na qual as informações, as mercadorias e os capitais circulam livremente, em alta velocidade, por todo o mundo, através dos mais diferentes suportes tecnológicos, por que as pessoas têm a sensação de que não se comunicam? Para Ciro Marcondes Filho, a resposta estaria no modo de vida urbano da sociedade industrial moderna, na qual estamos todos envolvidos. Uma Comunidade de pessoas que simplesmente habitam o mesmo espaço, visitam os mesmo supermercados, andam pelas mesmas auto estradas, assistem os mesmos programas de Tv, vibram com as mesmas festividades e nos finais de ano saem em compras automáticas e obrigatórias de presentes de Natal. Uma vida em sociedade que, em verdade, é muito repetitiva, monótona e sem emoções, sem novidades que um dia se acaba com a morte. Essas pessoas que somos todos nós, que são nossos vizinhos, nossos parentes, colegas de trabalho, estão fechadas, mesmo dentro de casa, com seu cônjuge, com seus filhos, com seus tios, avós, cunhados e irmãos. Fechados em si mesmos; cada um como uma mônada isolada, trancada, só. (MARCONDES FILHO, 2004: 9).

Enquanto isso, somos bombardeados diariamente com mensagens publicitárias que celebram um tempo no qual a comunicação não possui fronteiras, em uma clara tentativa de convencer a todos que um aparelho celular ou um computador com acesso a internet pode substituir aquilo que há pouco tempo parecia insubstituível: a troca de carinho, de afeto, a conversação, o abraço e a emoção do encontro. Estes aparelhos existem, na realidade, para suprir distâncias, e criar uma falsa sensação de proximidade. Trata-se de uma ilusão comercializada pelo sistema capitalista, que penetrou nas mais variadas esferas da vida humana e transformou a tudo em mercadoria, inclusive as relações afetivas.

Em seu livro “Amor líquido - Sobre a fragilidade dos laços humanos”, o sociólogo polonês Zigmount Bauman afirma que em “uma cultura consumista como a nossa, que favorece o produto pronto para uso imediato, o prazer passageiro, a satisfação instantânea4”, é de se esperar que se tenha o mesmo entendimento a respeito das relações afetivas. Segundo Bauman, estamos sempre dispostos a viver uma experiência amorosa da mesma forma que se consumimos um produto industrializado. Talvez por esse motivo, as relações humanas nas sociedades modernas estejam permeadas pela frustração, pela impossibilidade e por uma sensação irremediável de ausência. E por mais que recorramos a um telefonema, um email, sabemos, no fundo, que não há suporte tecnológico que possa expressar com eficácia aquilo que se passa dentro de nós. Ciro Marcondes Filho acredita que essa comunicação efetiva é cada vez mais rara. Talvez na infância, nas situações incomuns, em que estamos amando outra pessoa, em algumas situações de diálogo. No mais, a comunicação é uma farsa, um equívoco, um jogo que mais ilude do que realiza aquilo a que se pretende. Que plantas e animais, diferente do que imaginamos, não se comunicam, e mesmo nós, humanos, o fazemos com dificuldade. Logramos de fato nos comunicar quando preenchemos alguns requisitos pouco freqüentes, mesmo assim, essa comunicação jamais poderá ser absoluta ou plena. (MARCONDES FILHO, 2004: 10).

Seria correto dizer, então, segundo Ciro Marcondes, Filho, que a comunicação em nossos tempos, seja ela mediada pela tecnologia ou não, estaria cheia de falhas e de ruídos. É uma comunicação em crise. Esta crise é apenas uma parte de uma crise maior, uma crise civilizatória sem precedentes, que coloca em cheque a razão iluminista, que por séculos serviu como pilar para o desenvolvimento das civilizações ocidentais. O cerne desta crise residiria no fato de que o pensamento racional, a ciência e a tecnologia, que prometiam emancipar a humanidade da dependência da natureza, facilitar a vida cotidiana e levar progresso e felicidade a todos os homens ter levado a nossa civilização a uma experiência totalmente contrária. O desenvolvimento tecnológico trouxe facilidade e comodidade, mas também trouxe duas grandes guerras mundiais, armas nucleares e um acelerado processo de degradação ambiental em escala global, que em nada lembram as promessas de liberdade e felicidade do pensamento iluminista. O homem definitivamente não parece emancipado, ele parece preso à sombra de seu próprio desenvolvimento. E o paradoxo da comunicação contemporânea, que jamais se efetiva concretamente, apesar dos inúmeros meios disponíveis, é a maior prova disso.

O debate acerca da crise das sociedades industriais modernas não é novo e se arrasta há várias décadas. Para muitos autores, essas sociedades, que mergulharam na chamada experiência da modernidade, estão em crise porque o projeto moderno faliu. Para outros, a modernidade não acabou, apenas se transformou. Unânime mesmo só a percepção de que a crise existe, e não pode ser ignorada. Todos dizem que a modernidade está em crise. É um lugar comum, mas como outros lugares comuns, este pode ser até verdadeiro, desde que se entenda bem o alcance do diagnóstico. O que existe atrás da crise da modernidade é uma crise de civilização. O que está em crise é o projeto moderno de civilização, elaborado pela ilustração européia a partir de motivos da cultura judeo-clássica-cristã e aprofundado nos dois séculos sub-sequentes por movimentos como o liberal-capitalismo e o socialismo. (ROUANET, 1993: 9).
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Por modernidade entende-se o conjunto de transformações sociais, econômicas e culturais ocorridas principalmente a partir do século XVI que se caracteriza, sobretudo, por uma grande mudança nas experiências subjetivas provocadas pelo advento da técnica. Com a modernidade desenvolvem-se os grandes centros urbanos, as redes de transporte e os meios de comunicação. Paralelamente ocorre também um processo de fragmentação do sujeito, de constantes tentativas de diluição da experiência coletiva e de reestruturação do tecido social especialmente com o fortalecimento da classe burguesa). As relações humanas devassadas pela presença do capital disseminam um modo de vida individualista. Os meios de comunicação não contribuem para reaproximar os homens, pelo contrário, criam uma irreversível situação de distanciamento.

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